segunda-feira, setembro 25, 2006

MINHA CASA

MINHA CASA

Eu comprei uma casa velha
Para ter a ilusão de que sempre foi minha.
Tem jeito de medieval, em rua arborizada.
(Que luxo imerecido!)
É forte, resistente, um pouco sombria...
Paredes grossas... quarto de empregada/calabouço...
Só faltam nele argolas na parede
Esperando os servos
Para eu ter a ilusão de ser rainha!


De resto, vou reformá-la,
Para ter a ilusão de que é possível
Prolongar longamente uma bela existência!

Cada filho terá seu quarto
(Como se o futuro não os estivesse a requerer)
Para eu ter a ilusão
De que sempre haverá filhos ao meu lado.

E cada qual em seu quarto
Há de ter a ilusão de liberdade,
Mesmo sendo prisioneiros das áreas comuns.
E vou fazer de conta que estarão lá por quererem
E que me amam
Como eu gostaria que me amassem.

Ah, mas vou procurar caprichar nas áreas comuns!
Cada objeto bonito e forte
Terá seu preço pago sem disputa:
Quem sabe
Hão de ser, algum dia, de meus bisnetos!
Que talvez (horror!) nem venham a existir...
Ou que nem queiram carregar velhos trambolhos.
(“Que coisa de mau gosto pensar em bisavós
Que nem ao menos foram importantes!")


Em consideração à sensibilidade de meus hóspedes,
Não cobrirei as paredes com meus ancestrais.
Todas as minhas saudades
Vou guardar em álbuns escondidos
Até que sejam roubados
Para que eu morra por dentro um pouco mais.
(É mais eficiente matar a alma em vez do corpo
E o ódio não precisa se esconder, nem se mostrar.)



Haverá também um quarto
Para a mãe que eu sempre quis
E para a mãe que eu tenho!
E canto para hóspedes também,
Como um seguro contra a solidão.

E para lá vou levar
Minha cama de casal,
Para continuar a ilusão da perpetuidade
Do amor conjugal.

E essa casa que eu amo - do porão ao teto -
Quem sabe, talvez, de igual para igual,
Há de ser quem retribua o meu afeto.
E me fará a surpresa, afinal,
De me revelar que tudo aquilo que eu tenho
É, de fato, real!

( ZSF/ SP -1985/ 1986/ 2002)

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Faz 20 anos que escreveu a poesia e, desde então, nunca lhe faltaram os filhos, mesmo que não dormindo mais nesses quartos. Não é necessária a ilusão, você construiu uma família até mais sólida que essas grossas paredes. Beijos!

11:07 PM  
Blogger Flavio Ferrari said...

Seus filhos te amam, mamãe...
Cada qual à sua maneira
Um mais abrupto, outra mais faceira
Aquele mais exigente, aquela mais brejeira
E se nessa casa não residem mais seus corpos
Os corações repousam sob a eira ou a beira ...
(putz, ainda bem que eu não sou o poeta oficial da familia ...)

6:34 PM  
Anonymous Anônimo said...

Flá, adorei!!!

2:45 PM  

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